segunda-feira, 13 de abril de 2009

PAISAGEM INTERNA


PAISAGEM INTERNA
(Cláudio Faria)

Tenho pensado muito em coisas que, sem nos darmos conta, fazemos, utilizamos ou simplesmente nenhuma das duas opções, ficam literalmente esquecidas.
Atitudes inconscientes!
Quantas vezes acordamos e sem que notemos, já tomamos café, banho, escovamos os dentes, trocamos de roupa e já estando no carro em direção aos nossos afazeres diários, nos perguntamos: eu escovei os dentes? será que desliguei o aquecedor? Nossa, deixei o ferro ligado! Será? Alguns descobrem aflitos, já naquela reunião importante, em frente ao chefe, que calçou meias de cores diferentes. O que dizer numa hora dessas? Nada! Você finge que não viu, o chefe também, e vamos direto ao assunto: essa reunião foi convocada para discutirmos...

Quem um dia já não colocou o telefone sem fio na geladeira? Tudo bem, parece inconfessável, mas eu esquentando água para o chá antes de dormir, enquanto falava com minha mãe, já o fiz. Talvez o tenha feito inconscientemente, como quem coloca a mãe na geladeira por uns dias, para evitar aqueles intermináveis sermões nem sempre bem vindos, mas com certeza, cheios de amor e quase diários.

Um amigo sensitivo, mestre na arte de meditar, sempre me alertou da necessidade de se aquietar a mente: “quando o pensamento dá liberdade ao coração, cria-se um novo mundo”. Escutei essa frase a mais de quinze anos, e ainda hoje ela me acompanha como se a tivesse acabado de escutar, tal a força que ela parece ter, viva, indicando um caminho.
Meditar, antes uma prática restrita a grupos mais fechados, no oriente, pratica milenar, por aqui, ficava nas mãos de poucos iniciados em seus mistérios, em função de suas incríveis viagens a Índia e seus Mestres. Hoje uma prática já bem difundida, a ponto de exigir mais cautela para a escolha de um bom professor, ou Grupo, pois como tudo que vira moda, já é fácil identificar um verdadeiro Shopping Espiritual, oferecendo de tudo, sem nenhum critério ou qualidade.

Voltando a meditação em si, várias técnicas já me chegaram às mãos. Já experimentei algumas, com outras não tive muito sucesso, e sem ser especialista do assunto, a que mais gosto é a mais antiga e a mais simples. Consiste em se sentar confortavelmente em uma cadeira, num ambiente calmo e tranquilo onde você não seja interrompido. Feche os olhos e começe a observar sua respiração. Com a respiração profunda e relaxada, você observa o inspirar e o expirar, sem se preocupar com os pensamentos que possam invadir sua mente. Quando um pensamento vier à sua mente, simplesmente observe.
Não queira não pensar. Observe. Ele, o pensamento, passa como uma propaganda na televisão. Uma, depois outra e assim vai. A sua atenção fica na respiração. Você relaxa o corpo, se concentra e posteriormente, entra num estado mais profundo e de expansão de consciência, o que seria a meditação.
A prática, vai trazer mais qualidade a respiração, ao relaxamento, a meditação e à vida como um todo.
É engraçado escrever sobre isso, mas realmente, começamos a ter mais consciência nas escolhas, nos relacionamentos, nas nossas atitudes e como vemos o mundo a nossa volta.
É incrível perceber, como ficamos mais humanizados, e ao mesmo tempo assumimos nossa porção divina. Mais pacientes e mais seguros, nos tornamos mais amáveis e com certeza mais amados. O doar se torna natural e tão importante quanto o receber.
Para mim, sem me preocupar com religião, ou filosofia, vou procurando ter mais consciência em tudo.
No trabalho, na ginástica, numa conversa com amigos, ou numa relação afetiva, quando nos colocamos dentro do que estamos fazendo, tudo ganha uma dimensão maior e extraímos mais qualidade. Até no laser ou diversão, essa atenção é bem vinda. Mesmo nos momentos de crise, a consciência do que estamos passando, nos da a dimensão real do problema, onde estamos e o que temos que fazer pra transformar tudo isso. Trabalhoso sim, mais definitivamente mais simples.
Tarefas como arrumar a cama ou fazer um café ou chá para receber amigos, se torna muito prazeroso.

Pensando nisso, às vezes vou ao atelier da minha mãe levar-lhe um café, e vivo esse momento como uma oportunidade única. Com o café às mãos, entro no atelier em silêncio, e fico observando, a leveza dos movimentos do pincel à sua mão. Sua expressão é tão calma e bela, que fico quase sem graça de tirá-la desse estado total de entrega à beleza e à arte. Falo um oi baixo e meio sem graça. Ela se volta para mim com um sorriso doce dizendo: obrigado, já estava indo lá tomar um café com você. Entrego-lhe o café, e observando a paisagem à sua frente, fico imaginando onde estava sua consciência ao pintar algo tão belo. Talvez dentro de nós exista um universo inteiro a ser explorado. Um universo de beleza, paz e várias paisagens que vão sendo construídas dentro de nós pelas escolhas que fazemos. Nossas relações, nossas criações e enfim nossas vidas e comportamentos.

Com o pensamento só como um belo instrumento, e o coração como o verdadeiro guia, coloco a xícara usada na geladeira, e vou como quem fez a coisa mais certa, criar minha própria paisagem interna.

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